Análise de Fresh (2022)
em termos de enredo, é um filme pouco interessante. você já viu esse enredo mil vezes: uma mistura pouco interessante de thrillers de “aprisionamento” com hannibal. por outro lado, isso permite que o filme não se leve tão a sério e, apesar de tenso, tem uma piadinha ou outra para quebrar a tensão. os diálogos são interessantes e os atores são muito competentes.
entretanto, a análise começa a ficar interessante se compreendermos o filme como uma fábula para explicar os feminismos contemporâneos. acho que a metáfora central é muito óbvia: homens que comem as carnes de mulheres. é um tipo de violência fortemente generificada que aponta para a estrutura patriarcal do capitalismo. o fato de o vilão ser um cirurgião plástico não deve passar despercebido (“nosejobs, boobjobs…”).
noa é uma mulher heterocis branca meio perdida nos atravessamentos das relações de gênero, e é capturada pela opressão patriarcal. mollie, que traz certas marcas de interseccionalidade, já não é mais tão ingênua e, portanto, se torna a heroína do filme, ajudando noa a se emancipar. vale a pena também notar o atravessamento do racismo orientalista na personagem de penny.
mas, pra mim, a parte mais elucidativa desse filme é a função exercida por ann, a esposa de steve. ela claramente representa o feminismo liberal, que conclama as mulheres a “chegarem no topo”. ora, ao que aparece para nós, ela não sofre mais opressão depois de ter “passado por duras penas” e “conquistado seu lugar”. em certo sentido, ela até controla as atividades do marido.
ela foi o exemplar feminino que “resistiu” e “chegou lá”, não importando quantas ficaram pelo caminho. e, tendo galgado nesse sistema, não sobra nada mais para ela além de perpetuá-lo. afinal, isso significaria não honrar a história individualista de “superação” que ela passou. nesse sentido, o fim dela no filme também é muito elucidativo do que é necessário para uma superação da opressão patriarcal.