Frantz Fanon tem a ver com design? — Rede Design & Opressão

eduardo souza
3 min readAug 23, 2022

Esse é o texto que escrevi para a discussão na live junto à Rede Design e Opressão. Você pode ver a live completa aqui.

Mesmo que, ideologicamente, a gente se considere um campo progressista, é importante ressaltar que o design é uma instância das redes de opressão, das várias formas que podemos compreendê-las: desde a colonização até o heterocispatriarcado.

A gente tem exemplos disso em várias esferas, mas eu queria trazer um da esfera do trabalho: é importante comparar como ocorrem as relações de precarização no sudeste e no norte/nordeste do Brasil. Mas, isso é muito pouco discutido, sobretudo na academia e no ensino; uma das poucas vezes que vi isso ser discutido foi no podcast Clandestina.

Trazer esse tipo de discussão permite traçar paralelos com outros processos que já aconteceram na história do Brasil e entender como o design perpetua opressões. Serve também pra pensar a história do design a partir da nossa própria história. Isso pode mostrar como a gente reencena relações de opressão o tempo todo, e eu considero que somos o que Fanon chama de uma “intelectualidade burguesa colonizada”.

Então, queria apontar uma consequência crucial de nos reconhecermos colonizadores: a gente não vai descolonizar nada apenas enquanto designers. Muito menos apenas na esfera da pesquisa.

Antes disso, é preciso, como sujeitos, manter um vínculo crítico com a realidade material das pessoas — sobretudo de quem está entrando no design agora. Então, a partir daí, sempre questionar o que é colocado pra gente em termos de metodologias, conhecimentos, tecnologias, etc. Pra mim, isso já seria um grande passo.

Fanon aponta que a descolonização é um processo tortuoso e que o colonizado deve se valer dos meios que precisar para realiza-la. A gente deveria pensar se estamos dispostos, realmente dispostos, a nos comprometer com esse processo. Isso significaria romper com muitas das estruturas que temos hoje: currículos, departamentos, pesquisa, mercado, privilégios…

Mas isso ainda seria “design”? Daria pra conciliar o design colonizador com essa descolonização?

De novo, eu daria um passo atrás. Seria interessante pensar como “design” é usado hoje. O que significa dizer que design existe desde que o ser humano começou a fazer ferramentas? O que significa dizer que qualquer tipo de intervenção no mundo material é design e qualquer pessoa “é designer”?

Acho que se a gente fizer essas perguntas, fica muito claro que o que está em jogo aqui é uma disputa política do que significa essa palavrinha mágica. A gente sabe que é inerente à prática de design essa capacidade de fetichizar os artefatos, em dois sentidos: tanto de agregar determinados significados quanto de transformar em mercadoria. Se na nossa história, isso era aplicado a roupas, vasos e móveis, hoje essa fetichização vai assimilando cada vez mais coisas: cidades, alimentos ou até mesmo subjetividades. Branding é o exemplo máximo disso. É essa capacidade do design que é cada vez mais explorada pelo sistema neoliberal para tornar mercadoria todos os aspectos da vida.

Pra finalizar, queria deixar em aberto a possibilidade de um design não-colonizador. Ou então, pensando por outro ângulo, por que a gente tem tanta vontade de olhar para outras maneiras de se posicionar no mundo e dar esse “título” de design.

Mas eu peço cuidado pra ter uma leitura muito crítica, porque vários outros modos de vida são assimilados todo dia na lógica capitalista por meio das práticas de design. Acho importante considerar que essas coisas já têm outro nome e já existem sem a gente.

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eduardo souza

sempre isto ou sempre outra coisa, ou nem uma coisa nem outra | professor, designer e ilustrador | https://linktr.ee/souza_eduardo