Designer enquanto autor (1996)
O texto a seguir é uma tradução livre que fiz de um ensaio de Michael Rock para a revista Eye, cuja versão original também pode ser lida online. Acredito que a discussão que esse ensaio traz é bastante frutífera e ele apresenta alguns modelos de autoria que foram usados em outras áreas e como eles poderiam ser utilizados no design. Esta tradução foi realizada porque me deu algumas bases para essa discussão no meu projeto de graduação. E, como tal, também foi distribuída em formato de fanzine na UFPE. Se alguém tiver interesse nesse formato — que foi feito para tornar a leitura um pouco mais leve — só entrar em contato, eu passo o arquivo pronto para impressão ou como e-zine mesmo. [Prefácio do post de 2013 no blog Filosofia do Design]
O que realmente significa chamar o designer gráfico de autor?
Autoria se tornou um termo popular nos círculos do design gráfico, especialmente nos limites da profissão: nas universidades e nos territórios escorregadios entre design e arte. A palavra soa muito importante, com conotações sedutoras. Mas a questão de como designers se tornam autores é uma das difíceis. E quem exatamente é qualificado para isso e o que o design autoral vai se tornar depende de como você define o termo e determina como entrar nesse panteão.
Autoria pode sugerir novas abordagens para a questão do processo de design em uma profissão tradicionalmente mais associada à comunicação do que à concepção de mensagens. Mas teorias de autoria também servem como estratégias legitimadoras, e aspirações autorais podem acabar reforçando algumas noções conservadoras de produção de design e subjetividade — idéias que vão de encontro a recentes abordagens críticas na tentativa de derrubar a percepção do design baseado na genialidade individual. As implicações de tal redefinição merecem uma análise detalhada. O que realmente significa chamar o designer gráfico de autor?
O significado da palavra ‘autor’ mudou significativamente ao longo da história e tem sido objeto de intensa análise nos últimos 40 anos. As definições mais antigas não são associadas à literatura per se, mas denotam ‘a pessoa que origina ou dá existência a algo’. Outros usos possuem conotações autoritárias — e até patriarcais: ‘o pai de toda a vida’, ‘qualquer inventor, construtor ou fundador’, ‘aquele que gera, (pro)cria’ e ‘um ditator, comandante ou governante’. Mais recentemente, o ensaio divisor de águas, The intention Fallacy (1946) de Wimsatt e Beardsley, foi um dos primeiros a criar uma separação entre o autor e o texto com sua alegação que o leitor nunca poderia realmente ‘conhecer’ o autor através de seus textos (1). A chamada Morte do Autor, proposta mais sucintamente por Roland Barthes em um ensaio homônimo de 1968, está intimamente ligada ao nascimento da teoria da crítica, especialmente a teoria baseada na resposta do leitor e de sua interpretação em vez da intencionalidade. Michel Foucault usou a pergunta retórica O que é o Autor? em 1969 como o título de um influente ensaio que, em resposta a Barthes, delineia as características e funções básicas do autor e os problemas associados às ideias convencionais de autoria e origem de mensagens.
Foucault demonstrou que ao longo dos séculos a relação entre autor e texto mudou. Os primeiros textos sagrados não possuíam autores, suas origens eram perdidas na história. De fato, a origem antiga e anônima de tais textos servem como um tipo de validação. Por outro lado, textos científicos, pelo menos até depois do Renascimento, demandavam o nome do autor como validação. Lá pelo século XVIII, entretanto, Foucault alega, a situação havia sido revertida: a literatura era autoral e a ciência havia se tornado o produto de uma objetividade anônima. Uma vez que os autores começaram a ser punidos pelos seus escritos — ou seja, quando um texto passou a poder ser transgressor — o elo entre autor e texto se estabeleceu firmemente. Texto se tornou um tipo de propriedade privada, posse do autor, e a teoria crítica desenvolvida reforçava essa relação, procurando por chaves para o texto na vida e intenção de seu escritor. Com a ascensão do método científico, por outro lado, textos científicos e provas matemáticas não eram mais vistas como textos autorais mas como verdades descobertas. O cientista revelava um fenômeno existente, um fato que qualquer um frente às mesmas condições teria descoberto. Portanto o cientista e o matemático poderiam ser os primeiros a descobrir um paradigma e dar-lhes seus nomes, mas nunca poderiam assumir sua autoria.
Leituras pós-estruturalistas tendem a criticar o prestígio atribuído à figura do autor. O foco muda da intenção do autor para o funcionamento interno da obra: não o que significa, mas como significa. Barthes acaba seu ensaio supondo que o nascimento do leitor deve ser ao custo da morte do Autor. (4) Foucault imagina um tempo em que nós perguntaríamos que diferença faz quem está falando? (5) A noção de que o texto é uma linha de palavras que contém um único significado — sua mensagem central e o autor/deus — é deposta.
O Pós-modernismo trouxe consigo a descentralização e dispersão fragmentada e esquizofrênica do sujeito, observa Frederic Jameson. (6) A noção de um texto descentralizado — um texto desviado da linha direta de comunicação entre emissor e receptor, separado da autoridade de sua origem, existente como um elemento flutuante em um campo de possíveis significações — tem tido um papel crucial em construções de um design baseado na leitura e nos leitores. Mas a imagem profética de Katherine McCoy de designers indo além de solução de problemas para serem autores de conteúdo adicional e uma crítica auto-consciente da mensagem (…) assumindo papéis associados à arte e literatura tem, por vezes, sido mal interpretada. (7) Em detrimento a trabalhar para incorporar a teoria em seus métodos de produção, muitos dos designers ditos ‘descontrutivistas’ literalmente ilustraram a imagem de Barthes de um texto criado pelo leitor — um tecido de citações tiradas de inúmeros centros de cultura — espalhando fragmentos de citações pela superfície de seus pôsteres e capas de livro ‘autorais’. (8) As implicações pessimistas da teoria de Barthes, note-se Ellen Lupton e J. Abbott Miller, foram construídas em uma teoria romântica de auto-expressão. (9)
Talvez após anos como facilitadores anônimos, os designers estariam prontos para se pronunciar. Alguns podem ter ficado ansiosos para descartar as questões internas do formalismo — tomando uma emprestada uma metáfora usada por Paul de Man — e se expandir para questões estrangeiras de políticas externas e conteúdo. (10) Pelos anos 70, o design havia começado a descartar a abordagem científica que havia reinado por décadas, exemplificado pela ideologia racionalista que pregava a aderência estrita ao grid.
A evocação de Müller-Brockmann da qualidade estética do pensamento matemático é o mais claro e mais citado exemplo dessa abordagem. (11) Müller-Brockmann e uma grande quantidade de colegas pesquisadores como Kepes, Dondis e Arnheim trabalharam para desvendar ordem e forma pré-existentes do mesmo modo que um cientista revela a ‘verdade’. Mas o que é mais peculiar e revelador na escrita de Müller-Brockmann é sua dependência na retórica da submissão: os designers se submetem à vontade do sistema, se abstêm de personalidade, retêm interpretação.
Superficialmente, ao menos, pareceria que os designers estariam se afastando dos textos anônimos, científicos — nos quais princípios visuais invioláveis foram revelados através de pesquisas visuais extensivas — em direção à posição na qual o designer poderia assumir algum nível de propriedade da mensagem (e isso em um tempo em que a teoria literária estava se afastando dessa posição). Mas alguns dos atributos institucionais da prática do design eram incoerentes com as tentativas fervorosas de auto-expressão. A ideia de uma mensagem descentralizada não necessariamente se adequa a uma relação profissional na qual o cliente está pagando para o designer comunicar informações ou emoções específicas. Além disso, a maioria do design é realizado em ambientes colaborativos, ora com uma relação com o cliente, ora no contexto de um estúdio que utiliza os talentos de vários profissionais criativos, o que resulta qualquer ideia em particular ter uma origem incerta. A pressão onipresente da tecnologia e da comunicação eletrônica apenas deixa o território apenas mais escorregadio.
Tem algum auteur¹ por aqui?
Talvez não seja surpresa que a Morte do Autor de Barthes foi escrita na Paris de 1968, o ano em que os estudantes se uniram aos trabalhadores nas barricadas para realizar uma greve geral e o mundo ocidental flertou com uma revolução socialista de verdade. O chamado para derrubar a autoridade na forma do autor em favor do leitor — ou seja, as massas — teve uma ressonância real em 1968. Mas para perder o poder, você precisa primeiro ter vestido o manto; por isso talvez os designers tenham problemas em tentar derrubar um poder que nunca possuíram.
A figura do autor implicava um controle totalitário sobre a atividade criativa e parecia um ingrediente essencial para uma arte elevada. Se o nível relativo de gênio — da parte do autor, pintor, escultor ou compositor — era a medida definitiva para as conquistas artísticas, atividades que não possuíam uma figura de autoridade central eram desvalorizadas. O desenvolvimento da filmologia durante o período é interessante como exemplo. Em 1954, o crítico e imaturo diretor François Truffaut pela primeira vez promulgou a politique des auteurs, uma estratégia polêmica desenvolvida para reconfigurar a teoria crítica do cinema. (12) O problema era como criar uma teoria que imaginava o filme, necessariamente o resultado de uma ampla colaboração, como o trabalho de um único artista, portanto uma obra de arte. A solução era determinar uma lista de critérios que permitia o crítico definir alguns diretores como auteurs. A fim de estabelecer o filme como uma obra de arte, a teoria do auteur defendia que o diretor — até então uma mera parte da tríade criativa do diretor, escritor e cinematógrafo — tinha a decisão final em todo projeto.
A teoria do auteur — especialmente com a qual o crítico americano Andrew Saris se abraçou — formulava que os diretores precisavam seguir três critérios a fim de passar ao salão sagrado dos auteurs. (13) Sarris propôs que o diretor precisa demonstrar especialidade técnica, ter uma assinatura estilísica que é visível ao curso de vários filmes e, através de suas escolhas de projetos e tratamento cinemátográfico, mostrar uma consistência de visão e sentido pessoal. Já que os diretores tinham pouco controle do material com que trabalhavam — especialmente no sistema de Hollywood, onde os projetos eram delegados aos diretores — a assinatura de roteiros eram tratados como especialmente importantes.
O interessante sobre a teoria do auteur é que teóricos de filmes, como designers, precisaram construir uma noção de que o autor como meio de elevar o que era considerado como um entretenimento de baixo nível ao plateau de arte. Os paralelos entre direção de filmes e prática de design são impressionantes. Como diretor cinematográfico, o diretor de arte ou designer é comumente distanciado de seu produto e trabalha neles de maneira colaborativa, dirigindo a atividade de um número de outros profissionais criativos. Além disso, ao longo de uma carreira, ambos trabalham em diferentes projetos com níveis flutuantes de potencial criativo. Como resultado, qualquer sentido pessoal precisa vir do tratamento estético tanto quanto do conteúdo.
Se aplicarmos esse critério usado na identificação de auteurs para designers, temos um corpo de trabalhos que pode ser elevado ao status de auteur. Proficiência técnica pode ser alegada por muitos praticantes da área, mas ao aliar isso a uma assinatura estilística, o campo se estreita. Os designers que cumprem esses critérios vão ser familiares para qualquer leitor da Eye; muitos deles foram destaques na revista. (E, claro, seletivas reincidências de algum trabalho e a exclusão de outros constróem um oeuvre² estilisticamente consistente.) A lista provavelmente incluiria Fabian Baron, Tibor Kalman, David Carson, Neville Brody, Edward Fella, Anthon Beeke, Pierre Bernard, Gert Dunbar, Tadanoori Yokoo, Vaughn Oliver, Rick Valincenti, April Greiman, Jan van Toorn, Wolfgang Weingart e muitos outros. Mas apenas incrível técnica e estilo um auteur não fazem. Se adicionarmos o requisito de sentido pessoal, como essa lista fica? Há designers que através de tratamentos especiais [do conteúdo] e escolhas de projetos se aproximam de questões mais profundas do mesmo modo que Bergman, Hitchcock ou Welles?
Como comparar um pôster com o filme em si? A escala do projeto cinematográfico permite uma varredura que não é possível no design gráfico. Portanto, auteurs gráficos, quase por definição, precisariam ter produzido um corpo de trabalhos muito grande, no qual padrões discerníveis possam emergir. Quem, então, são auteurs gráficos? Talvez Bernard and Van Toorn, Oliver, Beeke e Fella. Há uma sensação de apreender uma ideia maior, uma qualidade mais profunda em seus trabalhos, auxiliada, nos casos de Bernard e Van Toorn, por suas afiliações políticas; e em Oliver por uma longa associação que produz um gênero musical consistente, permitindo um espaço para experimentação. Nesses casos, o auteur gráfico busca projetos nos quais ele é comissionado para trabalhar em uma perspectiva crítica reconhecível e específica. Van Toorn olha para um briefing de um relatório anual de uma corporação de uma posição socioeconômica, Bernard evoca a posição da luta de classes, a brutalidade capitalista e a disfunção social, enquanto Oliver examina as questões de decadência, arrebatamento e o corpo humano. Jean Renoir observou que o diretor artístico passa toda sua carreira refazendo variações de um mesmo filme.
Grandes criadores de estilos como Carson ou Baron parecem não se qualificar para entrarem no panteão dos auteurs — não segundo os critérios de Sarris — já que é difícil discernir uma mensagem em seus trabalhos que transcendam a elegância estilística da tipografia no caso de Baron e a inelegância estudada de Carson. (Você precisa se perguntar, do que tratam seus trabalhos?) Valicenti e Brody tentam injetar um sentido pessoal — na propaganda auto-publicada sobre Aids de Valicenti e na associação a sistemas alfabéticos pós-linguisticos de Brody — mas seus resultados permanecem impenetráveis a intervenções assim. Um julgamento como esse, entretanto, nos traz ao calcanhar de Aquiles da teoria do auteur. Na tentativa de descrever o sentido pessoal, Sarris recorre à diferença intangível entre uma personalidade e outra. (14) O abrigo na intangibilidade — o aspecto de ‘eu não sei dizer o que é, mas eu sei quando vejo’ — é uma das razões que a teoria tem caído em desgosto dos círculos de crítica cinematográfica. Isso também nunca lida adequadamente com a natureza colaborativa do cinema e os problemas confusos de produção. Embora a teoria não tenha durado, seu efeito ainda permanece conosco: o diretor hoje está perfeitamente no centro da percepção da estrutura cinematográfica. Do mesmo modo que isso tem sido aplicado a uma estrutura modificada da teoria do auteur por anos sem termos ciência disso. Afinal de contas, o que é a teoria do design se não uma série de elevações críticas e desvios de nossas atitudes sobre estilo, significado e evolução de sua importância?
Outros modos de autoria
A teoria do auteur pode parecer um modelo muito limitado para nossa imagem atual da autoria em design, mas há outros modos de emoldurar essa questão baseado nos diferentes tipos de prática: os livros de artista, poesia concreta, ativismo político, publicações, ilustrações e por aí vai. Poderia uma teoria da poética ser um modelo funcional? O uso é uma importante circunstância na tentativa de ver o trabalho de design como poético: tradicionalmente o poema como obra de arte é um artefato autossuficiente, enquanto design se refere a uma função externa ou uma intenção em aberto.
A oposição de poética/prática é resolvida em dois exemplos na produção de design: o livro de artista e o design ativista. O livro de artista oferece uma forma de autoria de design atráves da qual a função foi completamente exorcizada. O livro de artista, em geral, é concreto, autorreferente e permite um leque de experimentos visuais sem o peso de cumprir papéis comerciais profanos. Há uma longa tradição de livros de artistas nas vanguardas históricas, os Situacionistas, Fluxus e publicações experimentais das décadas de 60 e 70. Seus expoentes incluem uma mistura eclética de designers e autores (Dieter Rot, Tom Phillips, Warren Lehrer, Tom Ockerse, Johanna Drucker) bem como artistas visuais (Robert Morris, Barbara Kruger, Mary Kelly, Jenny Holzer, Hans Haacke). Dieter Roth produziu um corpo de livros consistente e monumental que exploram de maneira autorreflexiva a natureza dos livros. Lehrer se concentrou nos processos de produção, como impressão e encadernação e aspectos de diálogo e narrativa. Ele recentemente produziu um novo grupo de retratos gráficos, distribuídos na forma de brochuras, talvez a tentativa mais recente para distribuição em larga escala.
Livros de artista — usando palavras, imagens, estrutura e material para contar uma história ou invocar uma emoção — pode ser a forma mais pura de autoria gráfica. Mas o peculiar do gênero é que muitos dos designers mais habilidosos têm escapado dele e muito do trabalho produzido tem qualidade gráfica abaixo da média — não em termos dos valores de produção, que nem são necessariamente baixos, mas em tipografia e composição). A singularidade dos livros de artista, a qualidade técnica baixa e a ausência de aplicações práticas podem alienar o profissional de design gráfico.
Se a diferença entre poesia e mensagens práticas é que a última é apenas bem-sucedida quando inferimos a intenção corretamente, então o design ativista poderia ser chamado de absolutamente prático. Mas o trabalho ativista — incluso Gran Fury, Bureau, Woman’s Action Coalition, General Idea, Act-Up, Class Action e Guerrilla Girls — também são auto-motivadas e autorais com uma pauta claramente política. O trabalho proativo tem uma voz e uma mensagem, mas em sua intencionalidade em aberto falta a autorreferência do livro de artista. Ainda, vários problemas nublam a questão de ativismo autoral, sem falar na questão da colaboração. De quem é a voz falando? Não uma individual, mas de algum tipo de comunidade unida. Esse trabalho é aberto a interpretação ou seu objetivo é a transmissão brutal de uma mensagem específica? A ascensão do ativismo autoral tem complicado toda ideia de autoria como um tipo de autoexpressão livre.
Talvez o autor gráfico é aquele que escreve e publica material sobre design — Joseph Müller-Brockmann ou Rudy VanderLans, Paul Rand ou Erik Spiekermann. William Morris ou Neville Brody, Robin Kinross ou Ellen Lupton. O braço empreendedor de autoria oferece a possibilidade de uma voz pessoal e ampla distribuição. A maioria divide as atividades em três ações bem distintas: editoração, escrita e design. Mesmo como seus próprios clientes, o design permanece um veículo de pensamentos escritos. (Kinross, por exemplo, trabalha como historiador; depois, troca de chapéus e se torna um tipógrafo.) Rudy VanderLans é talvez o mais puro dos autores empreendedores, já que na Emigré todas as três atividades se misturam em um contínuo completo. Na Emigré, o conteúdo é profundamente acoplado à forma — ou seja, a exploração formal é tão conteúdo da revista quanto o texto. VanderLans expressa sua mensagem através da seleção de material (como editor), o conteúdo da escrita (como escritor) e a forma das páginas e da tipografia (como configurador).
Ellen Lupton e seu parceiro J. Abbott Miller têm construído quase sozinhos uma nova abordagem crítica ao design gráfico, aliada a uma prática exploratória. Um projeto como The Bathroom, the Kitchen and the Aesthetics of Waste, exposição feita no MIT List Visual Arts Centre, parece ter se aproximado de um novo nível de autoria gráfica. A mensagem é expressa igualmente através de dispositivos gráficos/visuais e texto. O design da exposição evoca as questões que são seu conteúdo; é claramente autorreflexiva. (O catálogo da exibição, em contraste, não incorpora o mesmo nível de autoria gráfica. Aqui Lupton parece ter escorregado para o mais comum, as funções separadas de autor e designer.) Mas muito de seus outros trabalhos demandam consideração, visual e verbalmente.
Enquanto o trabalho de Lupton e Miller são primariamente críticos — a leitura de fenômenos sociais exteriores e históricos dirigidos a um público específico — o livro ilustrado, que normalmente passa batido pela comunidade de design, lida quase que inteiramente com a geração de narrativas criativas. Livros para crianças tem sido um dos escapes mais bem sucedidos, mas autores/ilustradores como Sue Coe, Art Spiegelmann, Charles Burns, Ben Katchor, Dave McCaulley, Chris van Allesburg, Edward Gorey e Maurice Sendak [acrescentaríamos Shaun Tan] também tem usado o livro de modos inteiramente inventivos e produzido trabalhos sérios. Livros como Maus de Spiegelmann e X e Porkopolis de Coe expandem a forma em novas áreas.
Outros modelos podem indicar um nível de autoria gráfica que inclui projetos de escalas que o designer é obrigado a moldar o sentido do mar de materiais e construções narrativas. O trabalho de Bruce Mau com Rem Koolhaas no gigante ‘romance’ arquitetônico S, M, L, XL (ver Eye no.15 vol.5) e a comissão de Irma Boom de uma poderosa corporação holandesa para criar um trabalho comemorativo de forma, escala e conteúdo não especificados, são dois projetos assim. Aqui o designer — trabalhando como um diretor de filme no desdobramento da estrutura cinematográfica do trabalho — assume a posição primária na modelagem do material.
A categoria final é de designers que usam a mídia do design gráfico profissional para criar comparações e afirmações auto-referenciais. Exemplos incluem a edição especial da Design Quarterly de April Greiman, uma imagem em escala real de seu corpo distorcido e interferido com textos pessoais cheios de sonhos e visões, e um sem-número de trabalhos intrincados e enigmáticos do tipos de Tom Bonauro e Allen Hori (por exemplo, a interpretação gráfica de Hori do ensaio de Beatrice Warde numa promoção recente da Mohawk). Operando em um espaço entre projetos comerciais e livre expressão, esses trabalhos distorceram os parâmetros da relação com o cliente enquanto mantêm as formas ditadas pelas necessidades do comércio: o livro, poster, exposição e por aí vai. No caso do ensaio visual de Hori, o cliente paga pelo trabalho gráfico de embelezamento do projeto corporativo e o designer empresta suas credenciais vanguardistas para a corporação.
Para frente ou para trás?
Se os modos como o designer pode ser um autor são complexos e confusos, os modos como os designers usaram esse termo e o valor a ele associado também o são. Qualquer número de afirmações recentes alegam a autoria como a panacéia para as aflições do designer acuado. Uma chamada recente de projetos para uma exposição de design intitulada Designer as Author: Voices and Visions visava identificar os designers engajados em trabalhos que transcendem a produção comercial orientada ao serviço, e que perseguem projetos que são pessoais, sociais ou investigativos por natureza (15). A rejeição do papel de facilitador e a chamada para ‘transcender’ produção tradicional implicam que o design autoral possui algum propósito mais elevado, mais puro.
A amplificação da voz individual legitima o design como igual a outras formas mais tradicionais de autoria. Mas se os designers querem atingir leituras abertas e interpretações textuais livres — como a liturgia dos teóricos contemporâneos nos convenceram — esse desejo é afastado por teorias de autoria opostas. Foucault observou que a figura do autor não é uma particularmente libertadora: o autor como origem, autoridade e último dono do texto fica contra o livre-arbítrio do leitor. Transferindo a autoridade do texto de volta para o autor contêm e categoriza o trabalho, estreitando as possibilidades de interpretação. A figura do autor reafirma a ideia tradicional do gênio criador; o status de criado emoldura o trabalho e o embute com um valor mítico.
Enquanto alguns afirmam que a autoria pode ser uma indicação de um senso de responsabilidade renovado, às vezes eles parecem manobras para ganhar alguns direitos, tentativas de exercer algum tipo de instituição onde tradicionalmente não havia. Em última instância, o autor significa autoridade. Enquanto a vontade de autoria gráfica pode ser o desejo de legitimação de poder, ter o design como um personagem central necessariamente uma medida positiva? Não é isso que motivou os últimos 50 anos de história do design? Se nós realmente queremos ir além do modelo do designer-como-herói, pode ser que chegue um tempo em que perguntaremos que diferença faz quem projetou isso?
Por outro lado, o trabalho é criado por alguém. (Todas as alegações da morte do autor são feitas por autores famosos.) Enquanto o desenvolvimento e a definição de estilos artísticos, e suas identificações e classificações, estão no centro de uma crítica modernista já datada, nós precisamos ainda trabalhar para encarar esses problemas de novas maneiras. O real desafio pode ser abraçar a multiplicidade de métodos — artístico e comercial, individual e colaborativo — que compreende a linguagem do design. Um exame do designer-enquanto-autor pode nos ajudar a repensar o processo, expandir métodos de design e elaborar nossa perspectiva histórica para incorporar todas as formas de discurso gráfico. Mas enquanto as teorias de autoria gráfica podem mudar o modo como o trabalho é feito, a preocupação inicial de ambos o espectador e o crítico não é quem o fez, mas o que o fez e como o fez.
†
1: quando usarmos auteur é para nos referir ao sujeito dessa teoria de Truffaut, para diferenciar o autor do auteur cinematográfico da teoria.
2: francês, significa todo o corpo de obras de um arista
(1) WK Wimsatt and Monroe C. Beardsley, ‘The Intentional Fallacy’ in Critical Theory since Plato, ed. Hazard Adams, New York: HBJ, 1971
(2) Roland Barthes, ‘The Death of the Author’, in Image-Music-Text, New York, Hill and Wang (translated by Stephen Heath), 1977
(3) Michel Foucault, ‘What is an Author?’ in Textual Strategies, ed. Josué Harari, Ithaca: Cornell University Press, 1979
(4) Barthes, op. cit, p145.
(5) Foucault, op. cit, p160
(6) Fredric Jameson quoted in Mark Dery, ‘The Persistence of Industrial Memory’ in Architecture New York no. 10, p25
(7) Katherine McCoy, ‘The New Discourse’ in Design Quarterly no. 148, 1990, p.16
(8) Barthes, op. cit., p146
(9) Ellen Lupton and J. Abbott Miller, ‘Deconstruction and Graphic Design: History meets Theory’ in Visible Language 228.4, ed. Andrew Blauvelt, Autumn 1994, p352
(10) Paul de Man, ‘Semiology and Rhetoric’ in Textual Strategies, op. cit, p121
(11) Josef Müller-Brockmann, Grid Systems in Graphic Design, Stuttgart, Verlag Gerd Jatje, 1981, p10
(12) Cahiers du cinéma, no. 31, January 1954
(13) See Andrew Sarris, The Primal Screen, New York, Simon & Schuster, 1973
(14) Andrew Serris, ‘Notes on the Auteur Theory in 1962’ in Film Culture reader, ed. P. Adams Sitney, New York, Praeger Publishers, 1970, p133
(15) ‘Re:Quest for Submissions’ to the ‘Designer as Author: Voices and Visions’ exhibition, Northern Kentucky University, 1996