Supremacia branca e colonialismo epistêmico no discurso, academia e prática do design: indicações elementares

eduardo souza
7 min readAug 13, 2020

Esse foi um fio no Twitter escrito por Ahmed Ansari, que traduzi e também publiquei como um fio. O texto é acompanhado por registros do trabalho de luizaprado.

«Atropelos» (2018), de Luiza Prado.

Historicamente, os estudos acadêmicos em design, bem como a prática fora da academia, têm sustentado supremacia branca e colonialismo epistêmico. Isso vale para vários dos textos ‘influentes’ que são frequentemente citados por designers até hoje.

Antes de aprofundar nisso, gostaria primeiro de esclarecer: a supremacia branca é maior que racismo. Branquitude e supremacia branca trabalham disfarçados mesmo quando não se está sendo explicitamente racista; que seria comportamento e fala injuriosos intencionais, explícitos e direcionados a não-brancos.

A supremacia branca se manifesta em textos, discursos e na fala e ação cotidianos. Sim, isso tem sido e é parte dos estudos que muitos designers e pesquisadores proeminentes (sobretudo homens e brancos) produziram ao longo de carreiras inteiras.

Vários aspectos da teoria, princípios, métodos, pressupostos sobre o mundo e as pessoas que informam o “pensamento de design” hoje estão calcados em fundamentos supremacistas brancos.

Por exemplo (e eu vou só puxar uns de minhas próprias leituras), poucas pessoas sabem que vários dos textos influentes da pesquisa em design vindos do Movimento de Métodos de Design (MMD) foram profundamente orientalistas ao retratar as sociedades “modernas”, ocidentais que desenvolveram “design” em oposição a sociedades “tradicionais” que praticavam “ofícios”.

«A Spectre of Non-Presence» (2019), de Luiza Prado.

Algumas pessoas do MMD parecem valorizar ou admirar sociedades não-europeias. Isso é um truque para qualquer um que tenha substantivamente engajado com a literatura pós-colonial ou decolonial.

A supremacia branca constrói o outro não-branco como “exótico”, “autêntico”, “misteriosamente produtivo”, etc. enquanto simultaneamente se afirma como uma identidade não-mística, “racional”. Esse orientalismo está operando por meio da produção de conhecimento.

Igualmente, todas as alegações repetidas, em vários textos de princípios “fundamentais” do design, sobre o quão “universais” são princípios, teorias e métodos de design ou ainda que as pessoas sejam todas iguais.

Isso é algo que sublinha várias das alegações do pensamento de design feito por grandes agências, consultorias, think tanks e figuras públicas do design já ao longo de décadas, especialmente em projetos feitos no sul global.

Mais sobre o impacto dessa propagação depois. Mas, por enquanto, eu vou apenas mencionar que o “universalismo” é a lógica branca, eurocêntrica, colonial em jogo o tempo todo.

Há muita literatura em vários campos e disciplinas que desmentem esses mitos de universalidade e você nem precisa ir para argumentos pós/decoloniais para isso, apenas leia relatos antropológicos e históricos que usam evidências claras e empíricas para mostrar que ao longo da história, não há universais (no máximo, semelhanças) da interação e experiência humanas, apenas experiências, perspectivas e existências plurais.

«A Spectre of Non-Presence» (2019), de Luiza Prado.

Colonização, globalização e “desenvolvimento” (em que o design desempenhou um grande papel no último século) extinguiram ou colocaram em perigo vários desses diferentes modos de estar no mundo e de se relacionar com artefatos; supremacia branca e colonialismo tentaram “achatar” e homogeneizar o mundo, em parte precisamente pelas alegações de universalismo, que também possibilitaram desenvolvimento e modernização neolibeirais.

Qualquer texto de design que, primeiro, não contextualize e demonstre as especificidades de onde está falando, e para quem, e alegue que pode ser lido como universal, está reforçando a supremacia branca.

Isso inclui os trabalhos que se baseiam nos pressupostos da psicologia humana como algo universal. Pode haver semelhanças, não há universais.

Mais exemplos (recentes): a prática muito comum que vejo esses dias em design sem reconhecer ou referenciar trabalhos anteriores de não-brancos, mulheres e outros grupos marginais em trabalhos que falam de questões relacionadas à ética, justiça social, empoderamento e, agora, decolonização.

Isso tudo é da boca pra fora e bobagem se você não fez seu dever de casa, não se esforçou para se educar, não se comprometeu com reflexividade crítica não está fazendo esforços reais, constantes, contínuos para aprender, se avaliar e crescer.

«A Spectre of Non-Presence» (2019), de Luiza Prado.

Eu tenho visto várias pessoas falando sobre design para justiça social, empoderamento, decolonização, etc. que estavam vendendo a típica bobagem acrítica de “design thinking”, apoiando a supremacia branca, capitalismo neoliberal, globalização e desenvolvimento, etc.

Eu não tenho razão para acreditar em você se você sempre pregou um conjunto de discursos sobre design e usa outro para esticar sua própria carreira porque agora é a coisa quente (isso se aplica para não-brancos também). Você precisa conquistar confiança daqueles que estavam trabalhando antes de você.

Citar e referenciar pessoas que trabalharam antes é um modo de fazer isso. Promovê-los em vez de você mesmo é outra; lhes dar a plataforma e a voz é outra. Não fazer isso é silenciá-los e apagar seu trabalho, o que reforça a supremacia branca e a colonialidade.

«A Spectre of Non-Presence» (2019), de Luiza Prado.

A supremacia branca reforça a branquitude, mas outra dimensão de como ela opera sobretudo na escala global, e particularmente por discursos, práticas e projetos é quando designers e pesquisadores brancos vão para outros países pregar: colonialismo epistêmico.

Colonialismo epistêmico, que é mais complexo e nuanceado do que como eu estou reduzindo aqui (bem como antes), é a colonização de pensamento e conhecimento em si; condicionando pessoas (não-brancas) a acreditar nos pressupostos, crenças e lógicas em que a supremacia branca está fundada.

Pessoas brancas vão para partes da Ásia, por exemplo, para ensinar “design thinking”, com todos os seus problemas, ensinando modos estadunidenses e europeus de fazer isso sem contextualiza-los em relação aos seus contextos locais e prescrever princípios, métodos, etc. é colonialismo dos dias atuais.

Se você não está situando suas alegações em seu contexto original e contra contextos locais, não está reconhecendo o trabalho que designers e educadores locais fizeram e estão fazendo em seus países para citá-los e apoiá-los, e está indo para lá pregar e propagar, em vez de ouvir, aprender e apoiar, você está engajando em colonização epistêmica, você está reforçando a supremacia branca.

Textos fazem isso também, especialmente nos dias de hoje, em que textos muitas vezes fluem de uma parte do mundo para outra num piscar de olhos. Vários desses textos são consumidos acriticamente ao redor do mundo, levando ao culto colonial do “designer branco”.

«All directions at once» (2018), de Luiza Prado.

Eu pessoalmente vi, na minha terra natal, o dano que consultorias estrangeiras de design fizeram com suas versões superficiais do pensamento de design, assim como o impacto desproporcional que textos “influentes” de design tiveram, frustrando a originalidade do crescimento e pensamento, apagando décadas de trabalho local. Complexos de “salvador branco” são endêmicos no sul da Ásia. Designers brancos e seus cúmplices de cor são convidados a dar palestras enquanto pesquisadores e designers locais são ignorados.

Títulos de design estrangeiros de universidades e programas anglo-europeus são mais valorizados que os locais; conhecimento vindo da Europa e América do Norte escrito por designers brancos são mais “verdade”. Eu posso continuar à vontade.

Uma nova geração de pesquisadores em design, ampla e profundamente lidos, muito críticos ao colonialismo e à supremacia branca em todas as suas formas, está emergindo ao redor do mundo. Eles são a esperança.

Nós precisamos responsabilizar a história branca do design e colocá-la em seu lugar, como sendo específica de um tempo, como as visões de uma perspectiva específica vindas de uma civilização específica que desfruta de dominação hoje.

«All directions at once» (2018), de Luiza Prado.

Isso significa que desmantelar e revelar os modos pelos quais as lógicas, pressupostos e conceitos anglo-europeus moldaram e moldam a prática e teoria do design no que é hoje.

Isso necessariamente significará descentralizar e questionar várias pessoas consideradas muito importantes e figuras influentes nos cânones de design, vários vivos até hoje.

Eles não precisam sair, não precisam ser “cancelados”, mas o culto da personalidade precisa acabar. Seus trabalhos precisam ser reconhecidos como limitados e falíveis, problemáticos de várias maneiras, e as coisas negativas que eles forjaram sejam reconhecidas para além das coisas positivas que trouxeram para o mundo.

Se não fizermos isso, nada vai mudar na área. Nós não podemos começar a decolonizar a produção de conhecimento e a prática do design sem tomar medidas que são duras, necessárias e intransigentes.

Tudo que falei anteriormente, incluindo as definições de supremacia branca, racismo e colonialidade que delineei são básicos — são reduzidos, para Twitter, sem nuances. Não são exaustivas. Mas são alguns pontos que eu queria fazer as pessoas pensarem.

Queria poder exaltar para todos que aparecerem: vá fazer o trabalho. Para você mesmo e em você mesmo antes dos outros. Ache modos de fazê-lo. Faça constantemente. Seja atento e crítico sempre.

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eduardo souza

sempre isto ou sempre outra coisa, ou nem uma coisa nem outra | professor, designer e ilustrador | https://linktr.ee/souza_eduardo